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“E essa Justiça desafinada é tão humana e tão errada”. Renato Russo

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HOMENAGEM DO SENADOR JOSÉ NERY A DOM FRAGOSO

Posted by marcocsouza em setembro 7, 2007

[…]Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 12 de agosto, fez um ano que o Brasil perdeu um de seus filhos mais queridos e amados pelo povo pobre trabalhador, por quem ele sempre lutou, em vida, na defesa de seus direitos e reivindicações. Falo de Dom Antonio Batista Fragoso, Bispo da Diocese de Crateús, no Ceará, nascido nos sertões da Paraíba.            Fiquei pensando numa forma de prestar minha homenagem pela passagem do primeiro aniversário de sua morte. Busquei junto ao povo da Diocese de Crateús as lembranças de seus anos de trabalho pastoral, revivendo os fatos mais marcantes de uma vida inteiramente dedicada à promoção do bem-estar do povo, apoiando sempre suas reivindicações e procurando organizá-lo para uma vida digna, com justiça e solidariedade.            Um dom do mundo, um dom de amor!            Tomei emprestado de um grupo de crateuenses o título de uma magistral homenagem prestada a Dom Fragoso para abrir este parágrafo e para falar um pouco de sua laboriosa e rica biografia, em especial de seu trabalho pastoral e de seu decisivo e corajoso engajamento na organização e no apoio à luta do povo pobre por melhores condições de vida e de trabalho, no campo e na cidade, em Crateús, no Ceará, no Brasil e na América Latina.            “Quem toca no rebanho toca no pastor!”, essa era a premissa que guiava as ações do homem que, durante 34 anos, foi Bispo da Diocese de Crateús. Defensor da Teologia da Libertação, desenvolveu seu trabalho pastoral junto aos pobres e aos trabalhadores rurais. Por sua forma de fazer Igreja, rompendo com a estrutura rígida e hierárquica do modelo católico, foi acusado de ser “subversivo” pela ditadura militar instaurada em 1964. Destemido, Dom Fragoso nunca desistiu de lutar pelos pobres. Afirmando que “subversiva era a realidade social do Brasil”, continuou sua trajetória religiosa e de luta pelos interesses dos injustiçados – uma prática diferente, horizontal, libertadora, que veio a servir de exemplo para as igrejas da América Latina.            Dom Fragoso foi um líder religioso respeitado no Brasil e no exterior, tendo dedicado quase toda sua vida à missão pastoral. Sua história na Igreja foi iniciada em 1934, no Seminário Arquidiocesano, em João Pessoa, onde, em 02 de julho de 1944, ordenou-se sacerdote.            Foi também Assistente Eclesiástico do Círculo Operário de João Pessoa e da Juventude Operária Católica do Nordeste. No período de 1957 a 1964, assumiu a função de Bispo Auxiliar de São Luiz do Maranhão.            Em 1964, chegou a Crateús, onde permaneceu por mais de três décadas. Depois que deixou a Diocese de Crateús, em 1998, aposentou-se e foi morar em um bairro popular de João Pessoa, próximo à família, sob os cuidados de Irmã Ana Vigarani. Durante certo tempo, conseguiu manter-se no anonimato, preferindo, Senador Mão Santa, ser chamado de “Toinho da Esquina”, mas, pouco a pouco, sua identidade foi revelada, pois as pessoas começaram a reconhecê-lo e a chamá-lo de Dom Fragoso.            Filho de José Fragoso da Costa e de Maria José Batista da Costa, Antonio Batista Fragoso nasceu no dia 10 de dezembro de 1920, no sítio Riacho Verde, em Teixeira, na Paraíba. Sobre sua experiência de mais de 30 anos à frente da Diocese de Crateús, disse, em uma de suas últimas entrevistas: “O sonho que durante anos foi sendo inspirado dentro de mim encontrou, nos 34 anos de pastoreio em Crateús, o chão para germinar!”.            Nesse período, sua palavra forte, paciente e sincera, aliada à sua virtude de escutar com o coração e com a inteligência, representou para a comunidade católica a luz em meio às trevas das injustiças sociais.            Quando Dom Fragoso chegou ao sertão crateuense, numa época marcada pelo medo e pela repressão à liberdade, representou a possibilidade de se construir uma nova história na região, na qual a canção da esperança e da igualdade substituiria o forte som dos taróis e das trombetas pela melodiosa voz da união entre o povo. Por isso, até hoje, o povo canta a canção de autoria do poeta popular José Vicente, cuja letra representa a missão de Dom Fragoso na Terra, que aqui reproduzo com muito orgulho: “Vai ser tão bonito se ouvir a canção cantada de novo, no olhar da gente a certeza de irmão, reinado do povo!”.[…]Dom Fragoso tornou-se conhecido pelo enfrentamento à ditadura militar e pelo desprendimento e amor ao próximo ao exercer sua missão religiosa junto aos pobres: incentivou a organização de sindicatos, bateu de frente contra o poder do latifúndio, lutou pelos direitos humanos e se fez voz de muitas classes e segmentos desprotegidos socialmente. Exerceu, em sua plenitude, a Teologia da Libertação, tornando viva e presente a Igreja dos Pobres.            Dom Fragoso dizia que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são pequenas Igrejas vivas na base, com um rosto de pobre. As CEBs, nascidas na América Latina, mais precisamente na Colômbia, em 1968, tentam pôr em prática, mesmo com as limitações que todas as práticas humanas têm, um modelo de Igreja Popular ou a Igreja dos Pobres.            Ele nasceu e viveu no sertão nordestino. Viveu em constante luta contra as forças opressoras que marcavam a vida dos desvalidos. Em Crateús, sua luta em defesa dos direitos dos injustiçados o fez tornar-se conhecido internacionalmente. Nessa terra, ele reviveu sua história, pois, como o próprio povo, marcado pela dureza do Polígono das Secas, nos sertões de Crateús e dos Inhamuns, também resistia. Relembro suas próprias palavras:Foi nascendo, dentro de mim, a compreensão de que o Pastor era apenas um companheiro de longa luta e de audaciosa caminhada. O meu carisma, vindo pela ordenação, não me dava superioridade sobre o povo que caminhava comigo, mas me movia a seguir o testemunho de Jesus, que se sentiu chamado a servir, lavando humildemente os pés, sobretudo dos excluídos e dos pequeninos.            Dom Fragoso desenvolveu um trabalho de apoio, de evangelização e de conscientização com detentos, com prostitutas, com negros, com idosos, com mulheres, com crianças e com jovens carentes, com povos indígenas remanescentes e com outros segmentos da população trabalhadora nos Municípios que constituem a Diocese, como Crateús, Nova Russas, Novo Oriente, Tamboril, Ararendá, Poranga, Ipaporanga, Monsenhor Tabosa, Ipueiras e minha querida Independência, terra em que iniciei minha militância, na década de 70. Foi lá que conheci de perto o trabalho que Dom Fragoso desenvolvia na Diocese de Crateús. Foi por sua inspiração e por sua orientação que segui na Igreja os passos e a orientação da Teologia da Libertação, conhecimento que me levou a empunhar as bandeiras do socialismo e a lutar por uma pátria justa, soberana e defensora dos direitos da maioria do povo trabalhador.            Por tudo isso, rendo minhas homenagens póstumas ao homem que soube lutar contra todas as adversidades, a tirania e a repressão dos poderosos contra o povo, e que se manteve ao lado da classe trabalhadora da cidade e do campo. Nunca se afastou de suas convicções. Por isso, inscreveu seu nome na história de nosso povo e da nossa Nação como um verdadeiro herói e como guia para todos aqueles que, como ele, acreditaram e acreditam na construção de um país justo, soberano, sem tirania, sem miséria…[…]Concedo, com grande satisfação, aparte ao Senador Inácio Arruda, Senador cearense e, com certeza, grande conhecedor da luta e da trajetória de Dom Antonio Fragoso.            O Sr. Inácio Arruda (Bloco/PCdoB – CE) – Senador José Nery, V. Exª, que é filho daquela diocese, daquele movimento todo, encontrou-se com Dom Fragoso num momento excepcional da vida política brasileira, num momento de exceção, em que as pessoas precisavam, de forma muito concreta, demonstrar coragem com atos e com amplitude. Tinha de ter força e amplitude, e Dom Fragoso recepcionou todos que estavam sendo perseguidos e maltratados. Há poucos dias, estive em Crateús, onde o Padre Geraldino disse: “Senador Inácio, vou-me filiar ao PCdoB em homenagem a Dom Fragoso, porque ele recebeu todos, comunistas, socialistas, democratas, que estavam sendo perseguidos à época da ditadura militar”. Mas Dom Fragoso não se limitou a esse trabalho político engajado. Era um bispo engajado na luta política, mas foi mais adiante: colocou a Diocese para abrir caminhos no processo de educação popular em toda a região, toda! Cada canto daquela região, cada Município recebeu educadores que passavam pelas mãos de Dom Fragoso, debatendo e mantendo uma tenacidade imensa na defesa dos interesses do nosso torrão, daquela região, do Ceará como um todo e do Brasil, do nosso País. Congratulo-me com V. Exª, ao fazer essa homenagem a esse Bispo do povo, um Bispo que pensou na sua gente, sempre tendo seu povo à frente – o povo das camadas mais simples, mais pobres do nosso Estado e do nosso País. Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga fizeram a belíssima música Mulher-macho, sim, senhor!, para José Américo de Almeida sair vitorioso em sua campanha eleitoral. Ele não recebeu os votos, mas a música virou um clássico popular. Talvez eles dissessem: “Ô bispo arretado!”.            O SR. JOSÉ NERY (PSOL – PA) – Senador Inácio Arruda, o aparte de V. Exª enriquece esta homenagem que faço em nome de todos os lutadores e lutadoras sociais e dos cristãos, dos que acreditam na luta pela transformação.            V. Exª lembra, naquele período triste da nossa história, quanta grandeza e quanta coragem de Dom Fragoso, que acolheu, na Diocese de Crateús, várias lideranças do movimento social, do movimento estudantil e também do Partido Comunista do Brasil, que naquele momento sofriam a implacável perseguição da ditadura. Ele, que, com seu coração e sua visão tão amplos do mundo, recebia a todos, ricos ou pobres, fez claramente a opção pelos pobres, por isso sofreu muitas calúnias e injustiças.            Durante anos, foi proibido que seu nome fosse veiculado na imprensa do Ceará. Especialmente as rádios eram proibidas de citar o nome de Dom Fragoso, porque era considerado um Bispo comunista e subversivo.            Dom Fragoso apoiou, decisivamente, a implantação do Movimento de Educação de Base, o qual ajudou na formação de milhares de lideranças populares, que hoje dirigem os sindicatos de trabalhadores rurais, as cooperativas, as associações de trabalhadores do campo e da cidade, os centros de direitos humanos. Inclusive, Senador Inácio Arruda, quero fazer uma menção especial ao Centro de Direitos Humanos Dom Fragoso, sediado em Crateús, que hoje desenvolve um trabalho nessa área e que honra a memória, a luta e a história do pastor do povo, do pastor dos oprimidos.            Quero compartilhar, enfim, esta homenagem póstuma com todos aqueles que conviveram com Dom Fragoso e que permitiram escrever esta breve biografia por meio dos registros de passagens relevantes de sua vida e de sua obra. Faço uma homenagem, também, a todos os amigos de Dom Fragoso, espalhados pelo Brasil, pela América Latina e pelo mundo. Dom Fragoso era um Bispo, um cidadão do mundo.             Esta homenagem estende-se aos inúmeros diocesanos e paroquianos de Crateús e de todos os Municípios da Diocese que me enviaram registros históricos importantes sobre a vida e a obra de nosso querido Dom Fragoso.            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – V. Exª me permite um aparte, Senador José Nery?            O SR. JOSÉ NERY (PSOL – PA) – Com satisfação, concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Quero saudar V. Exª pela homenagem que faz a Dom Fragoso e ao povo de Crateús. Tenho em Dom Fragoso uma pessoa que muito contribuiu para os direitos da pessoa humana. Cumprimento V. Exª, que se tem dedicado tanto ao tema do direito dos trabalhadores neste País, inclusive para que não haja mais situações de trabalho em condição de escravidão. Infelizmente, em que pese a abolição da escravidão, ainda existem situações que lembram o tempo em que as pessoas trabalhavam sem qualquer tipo de remuneração. Felizmente, graças ao trabalho da Comissão que V. Exª hoje preside, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que procura averiguar o trabalho escravo, vamos avançar na direção dos propósitos de Dom Fragoso. Meus cumprimentos a V. Exª.            O SR. JOSÉ NERY (PSOL – PA) – Agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.             Com certeza, sua manifestação representa um reconhecimento, no Brasil do Sul, do Norte, da Amazônia, do Centro-Oeste, a esse Bispo que fez história junto com seu povo e num período muito particular da nossa história, junto com D. Hélder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, D. José Maria Pires, D. Aloisio Lorscheider, D. Ivo Lorscheider, D. Luciano Mendes de Almeida e tantos bispos que, num momento muito grave da nossa história, fizeram a opção pelos mais pobres, pelos excluídos, pelos perseguidos do regime; a opção de defender os direitos humanos numa época em que isso poderia custar – como custou – a vida de muitos brasileiros e brasileiras.            Na própria Diocese de Crateús, padres foram presos, camponeses foram mortos por resistirem, naquele período tão cruel e tão difícil da história do nosso País.            Quando assume a Presidência o Senador Inácio Arruda, vou encerrar esta homenagem em nome de todos que trabalharam com Dom Fragoso e que guardam a lembrança do seu trabalho. Mais do que a lembrança, eles guardam o compromisso de continuar lutando por um Brasil mais justo, onde todos tenham seus direitos plenamente assegurados; onde não haja trabalho escravo, como, há pouco, referiu-se o Senador Eduardo Suplicy; onde não haja trabalhador sem terra, com muitos sendo vítimas da violência e da impunidade que grassam neste País.             Encerrando esta homenagem a Dom Fragoso, queria dizer que suas orientações permanecem mais vivas que nunca, porque a injustiça e a desigualdade ainda são muito atuais e presentes em nosso País.            Lutar para superar essas desigualdades, construir uma nova sociedade é o sonho de todos nós e sempre foi o sonho de Dom Antonio Batista Fragoso.

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